Este
é um depoimento do colega Luis Carlos Correa, que também é um Laringectomizado Total e participa das
reuniões do Grupo de Apoio ao Laringectomizado “GALA”, no Hospital Santa Rita
em Porto Alegre/RS.
DIÁRIO
DE UMA VOZ
No
dia 05 de abril de 2009, fui ao médico, acompanhado pela minha esposa, porque
eu estava com muita rouquidão, quase não podia falar. Eu já andava assim há muito tempo. Tinham
épocas que eu ficava bem, mas com o passar do tempo fui piorando. Logo o médico me mandou fazer uma biopsia e procurar
um especialista.
Eu
procurei a minha cunhada que trabalhava na Santa Casa. Ela então arrumou uma
consulta e levei meu exame. O especialista me examinou e examinou os exames e
constatou que era câncer. Na hora fiquei apavorado. Ele me falou que eu tinha
que me operar o mais rápido possível.
Quando eu saí do consultório, eu estava
apavorado. Cheguei em casa e comuniquei
para minha família.
Dia
05.05.2009 nós fomos ao consultório, eu, minha esposa, meu filho Zeffi, minha
sobrinha Valéria, meu sobrinho Beto, minha nora Raquel e meu enteado Leandro.
O
médico começou a explicar o que estava acontecendo. Que eu tinha um câncer nas
cordas vocais e que tinha que me operar o mais rápido possível. Ele falou para
minha família da minha doença. Ele me deu três caminhos: o primeiro era fazer
quimioterapia, a segunda opção era tirar
uma corda vocal e fazer quimioterapia mas não me dava garantia de vida e a
terceira opção seria tirar as duas
cordas vocais e a laringe. Ele me dava 98% de cura. Eu peguei a terceira opção.
Ele marcou para o dia 05.06.2009 a minha cirurgia.
Eu
saí dali apavorado, desesperado porque tinha me caído à ficha. Eu chorava muito
porque eu pensava na minha vida.
Dia
05 eu internei no hospital. Minha esposa foi comigo. Eu pedi a ela para rezar
bastante por mim. Às 7h fui para o bloco cirúrgico, aí só Deus...
Eu
acordei da anestesia e estava na sala de recuperação. A primeira pessoa que vi
foi a minha esposa. Eu só não sabia o que estava acontecendo, quando eu tentava
falar a voz não saía. Aí eu vi o que estava acontecendo e botei a mão no meu
pescoço. VI aquele corte de 50 pontos. Eu tentei falar e não consegui.
Três
dias depois eu fui para o quarto. Meu filho veio me ver, minha nora Raquel e
minha neta Julia. Me deu um desespero tão grande ...
Eu
queria falar e não conseguia. Foi meu maior desespero. Eu não falava, tentava
falar, mas só mexia com a boca e com as mãos. Senti que meu filho ficou
apavorado, mas não demonstrou. Foi então que minha esposa desceu e comprou um
caderno para eu escrever. Aí eu comecei a me comunicar. Eu tinha muita tosse.
Um dia meu enteado Leandro foi me ver e durante a visita tive uma crise de
tosse. Ele ficou tão apavorado que fugiu. A Taize foi me visitar, meu sobrinho
Beto e minha sobrinha Valeria, a Viviane, o Artur, o Michel, o meu amigo Jair,
a Fátima. Só meu filho Fábio não foi me ver. Na época ele estava preso. Minha
nora Augusta e a minha neta Vitória também não foram me ver.
Mas
depois com o passar dos dias eu comecei a conviver sem aquele pedaço. Cada dia
era mais difícil. Eu fiquei 17 dias com sonda sem comer nada pela boca.
Eu
comecei a entrar em
depressão. Cada dia que passava batia mais o desespero. Eu só
pensava em suicídio. Eu
ia me jogar do 3° andar do hospital. Eu só pensava como ia ser a minha vida
dali para frente. Como ia ser a minha vida sem poder falar, como ia ser a minha
vida...
Depois
de 18 dias eu tive alta do hospital. Eu perguntei ao médico, o doutor Fábio, se
eu podia comer alguma coisa. Então ele falou com a minha esposa. Ela disse que
eu só ia embora quando ele me tirasse à sonda. Então ele tirou e eu estava de
alta.
Meu
filho Zeffi trouxe um pastel e um refrigerante para eu comer. Eles me trouxeram
para casa. Quando eu cheguei à frente da minha casa eu não acreditei. Estava
começando uma nova etapa da minha vida. Eu sabia que ia ser difícil aquela
caminhada. Mas era só o começo. Eu queria saber como meus amigos iam me ver.
Muitos falaram outros não entendiam.
A
minha sorte é que eu tinha uma guerreira do meu lado me dando todo apoio.
Tínhamos nossos filhos, mas eles têm a vida deles e eu não falava, só escrevia.
O
médico me indicou ir na santa casa, pois lá tinha um grupo de apoio – o GALA.
Eu fui bem recebido pela Drª Vera Fonoaudiologa. Ali vi que eu não estava sozinho.
Naquela estrada a Drª Vera me explicou como era aprender a voz esofágica, que
era difícil, mas que tendo força de vontade talvez eu conseguisse, porque não
são todos que conseguem. Explicou que eu tinha feito uma laringectomia e
retirado as cordas vocais, e toda a laringe... Eu só tinha o buraco no pescoço
onde eu respirava, agora não respirava mais pelo nariz e pela boca. Tinha também outra opção, comprar um aparelho
que parece alto falante, a gente pressiona conta o pescoço e começa a falar com
uma voz biônica. Eu não gostei desta
idéia mas comprei, custa muito caro. Ai coloquei na minha cabeça que tinha que
aprender a falar a voz esofágica: pra quem não sabe, a gente engole bastante ar
no esôfago e solta o ar. A Nilda, a Drª Vera puxavam bastante por mim, mas eu
olhava para os outros e não via ninguém falar, aquilo me desanimava. Quando foi
um dia veio um senhor no grupo que eu não conhecia. Ele começou a falar e eu
disse oh! Meu Deus, eu vou aprender a falar com as pessoas e não vou precisar
mais escrever. Ai eu comecei a praticar bastante e quando eu ia ao grupo eu me
sentia bem.
A
gente aprende que cada um tem uma estrada pra seguir. Eu ia ficando com coragem
pra seguir sempre com muito apoio do meu filho Jeffi, da minha esposa Nilda,
meus enteados (Vivi, Leandro). Toda pessoa que passa por este problema fica
muito frágil. Quando faziam três meses que eu estava no grupo eu comecei a falar
aos poucos. Vocês não sabem a alegria que eu sentia me comunicando sem precisar
escrever. Eu via aquelas pessoas do grupo com mais tempo que eu e eu estava
conseguindo. Cada dia que passava eu melhorava, Eu já conseguia sair sozinho, eu
tenho carro, eu viajo, eu gosto muito de pescar, gosto de dançar. A minha
esposa, parceira pra tudo. Toda a família que tiver uma pessoa com este
problema necessita de apoio. Ajude que a vida depende de apoio de todos porque
nós estamos vivos, nós temos muita coisa a oferecer.
Estou
seguindo a minha vida. Tem momentos de
depressão, mas passam. Deus me deu uma segunda chance de vida. Agarrei.
Quando
faziam 7 meses que eu tinha operado, eu fui trocar uma telha da minha garagem,
caí do telhado e quebrei o braço. Deu fratura exposta. Fiquei 5 dias no
hospital. Eu tive uma segunda chance de vida.
Fazem
4 anos que eu me operei. Faço todos meus exames. Fui bem tratado na Santa Casa. Daqui há um
ano, se tudo der certo, eu estarei liberado.
Muita
fé, muita força nesta hora difícil aos meus amigos do grupo.
Agradeço
ao GALA, agradeço à Drª Vera, a todas as doutoras do grupo.
Muito
Obrigado por tudo.
Esta
é a história da minha vida.
Luis
Carlos Correa